domingo, agosto 09, 2009

Rua De Baixo - Bootlegs & Carl Craig

Aqui ficam mais dois textos que escrevi para a Rua De Baixo :


Bootlegs - Qual o valor de um Bootleg? Comprar discos que passam por originais ou uma paixão honesta pela divulgação?

Imagina que entras na tua loja de discos favorita e, ao vasculhar por entre as prateleiras, encontras aquele clássico (seja de Disco, seja de House de Chicago ou de Techno de Detroit, etc.) que procuravas há uns bons anos. És bem capaz de pensar “Epá, finalmente reprensaram isto…há que tempos que ando à espera de apanhar este disco”. Pois bem, é efectivamente uma reprensagem, mas o mais certo é não ser legal. Ou seja, muito provavelmente é um “bootleg”.

E o que é um “bootleg”, perguntam voçês? Na definição “bootleg” pode caber muitas coisas, e é isso que vou tentar explicar. Primeiro que tudo, um “bootleg” é uma edição não oficial de uma qualquer obra musical. Não oficial no sentido em que é uma edição que não é lançada por uma editora que represente o artista em questão, mas de alguém que, por várias razões, decidiu disponibilizar a obra em questão, desrespeitando os direitos tanto do artista como da editora.

É um fenómeno que já existe quase desde a génese da indústria discográfica, e que no início se cingia mais a edições não oficiais de concertos de certos e determinados artistas/bandas. Mas, a partir do final dos anos 70 e início dos anos 80, com o Disco Sound e congéneres no auge, certos DJs como Danny Krivit ou Tee Scott começaram a fazer “re-edits”, ou seja, reconstruíam peças musicais já existentes de uma forma que lhes parecia fazer mais sentido e que na cabeça deles, resultava melhor para o público que tinham à sua frente nas pistas de dança.

Não demorou que começassem também e editar esses re-edits e, como é óbvio, também não demorou muito até que outros fizessem “bootlegs” dessas mesmas “bootlegs”. Isto sobreviveu até aos dias de hoje, onde continua a existir a tradição do “re-edit”. Mas o “bootleg” atinge também hoje em dia estilos como o “Post-Punk”, o Italo-Disco, o House de Chicago ou o Techno de Detroit. O que acaba por não surpreender.

Muitos destes discos são hoje difíceis de obter nas suas edições originais. Ou se tem a sorte de encontrar esses tesouros por preços acessíveis em lojas de 2ª mão, feiras, através de alguém que se queira desfazer da sua colecção privada (e que preferencialmente não tenha a noção do que está a vender) ou então terá de se recorrer a sites como o E-Bay, Gemm ou Discogs, onde quem os vende, raramente o faz a preços acessíveis.

Para quem queira ter os temas, os “bootlegs” tornam-se bastante atractivos, pois são vendidos ao preço que custa um qualquer 12” normal, poupando ou no esforço de procurar pelos discos ou em gastar uns euros valentes na aquisição do original. Isto acaba, no fundo, por criar algum dilema moral entre a comunidade de DJs e/ou coleccionadores. Para uns é errado que existam “bootlegs”, devido ao facto de os direitos do artista não serem respeitados e de não ver lucro nenhum da comercialização da sua obra.

Para outros não é errado, porque se há procura, deviam de ter sido reprensados e entre pagar um valor absurdo pelo original e entre pagar o preço de um normal 12”, optam por comprar o “bootleg”, dado que, de qualquer das maneiras, o artista não verá os seus direitos respeitados. Há até quem diga que os “bootlegs” podem expor de forma mais ampla certos artistas que estavam na obscuridade, trazendo-os a um novo público e quiçá, relançar-lhes a carreira.

Dentro do mundo dos “bootlegs”, existem diferentes formas de editar. Há produtores que optam por criar séries, tais como os Automan, os Ballroom, os Supersound ou compilações estilo Disco Galaxia ou Balearica, ou até mesmo reunir numa mesma compilação diversos temas e/ou remisturas difíceis de obter de artistas como Prince, Patrick Cowley, Daft Punk, etc.

Outros optam por copiar as edições originais, muitas vezes até ao ínfimo pormenor, de modo a que por vezes até um “vinil junkie” só muito dificilmente se consiga aperceber das diferenças, e isto é o que está a acontecer com muitos clássicos “perdidos” do House de Chicago, da cenas “Post Punk” estilo a 99 Records dos Liquid Liquid ou das ESG, ou do Techno de Detroit.

Outros ainda fazem re-edits a certos e determinados temas ( o que geralmente incide mais sobre o Disco-Sound, mas outros estilos podem também ser alvos deste tipo de tratamento) e editam-nos tal como Danny Krivit o fazia algures entre os finais de 70 e inícios de 80, ou seja, numa espécie de editora própria ou criada por amigos.

Há ainda um caso que cria grande confusão na cabeça de muita gente, que é a distinção entre “mash-up” e “bootleg”. Um “mash-up” é quando se misturam duas (por vezes até mais…) músicas com o intuito de as tornar numa só música. Nos últimos tempos os grandes estetas deste tipo de coisas foram nomes como 2 Many DJs, Richard X, Erol Alkan ou Danger Mouse. Obviamente, podem ser também “bootlegs”, por serem editados de forma pouco legal e desrespeitando os direitos dos artistas envolvidos, mas há “mash ups” editados legalmente, com a benção dos artista e da editora (um exemplo sendo um que misturava o Can`t Get You out Of My Head da Kylie Minogue com o Blue Monday do New Order).

Ame-se ou odeie-se os “bootlegs”, eles vão continuar a existir, pois enquanto alguém estiver interessado em adquirir aquele tema obscuro de Italo Disco do qual só existem meia-dúzia de cópias disponíveis a 100 euros no E-Bay e alguém disposto a disponibilizá-lo através de formas pouco legais, o “bootleg” continuará a ter um amplo mercado, e não parece que se possa fazer grande coisa em relação a isso…


Carl Craig - A 2º geração de Detroit no seu pendor mais eclético e fusionista.

Quando os parâmetros exigidos se tornam altos é difícil sair da sombra de quem os elevou a tal altura e os três de Beleville (Kevin, Derrick & Juan) fizeram-no como nunca havia sido feito antes, tendo deixado um legado bastante importante em termos de inovação e produção musical dentro da música electrónica contemporânea, conseguindo até levar as suas ideias a quem não era propriamente apreciador do estilo.

Mas houve quem tenha ultrapassado esses altos parâmetros, e seja olhado com o mesmo respeito como hoje se olha para a “santa trindade” do Techno de Detroit. O nome que vem à cabeça é o de Carl Craig. (mas provavelmente, o próximo nome a surgir muitos poderá ser Omar S…)

Começou por ser um discípulo de Derrick May, tendo inclusive co-produzido um dos seus temas mais sonantes, Strings Of Life. Chegou a participar em conjunto com o próprio Derrick May, numa tournée de promoção do 2º albúm dos S Express, de Mark Moore (de nome Intercourse). Mas não levou muito tempo até optar por seguir o seu próprio caminho. Criou a sua própria editora, a Planet E, e começou a editar músicas através de vários pseudónimos, tais como 69, BFC, Psyche, Paperclip People, Innerzone Orchestra, Trés Demented, entre outros.

Um tão elevado número de pseudónimos revelava o seguinte: que Carl Craig gostava de ouvir diversos estilos de música e que, na medida do possível, tentava juntá-los numa mesma música. Ou seja, a matriz base era o Techno ou o House, mas por cima deles, tentava fundir estilos como o Disco, o Soul, o Funk, o Electro, o New-Wave/Post-Punk, o Jazz (sobretudo o de fusão, o que não surpreende, pois Craig sempre se assumiu como um grande fã de nomes como Herbie Hancock, Miles Davis ou Sun Ra) e até a Música Clássica (como último trabalho que fez em conjunto como Moritz Von Oswald aka Maurizio/Basic Channel para a Deutsche Gramophone é exemplo)

Esses estilos marcaram a sua infância e adolescência. Afirmou numa entrevista que, basicamente, o único estilo que não gosta é o Country. Aliás há uma história engraçada, relativa à compilação As Heard On Radio Soulwax dos 2Many Djs, que Craig não permitiu que a suma remistura ao tema “Hand To Phone” dos Adult. fosse incluída, por aí estar um tema de Dolly Parton, que é mais conhecida por ser uma cantora de Country.

É devido a este seu caracter fusionista que até hoje os seus trabalhos, mesmo os mais antigos, continuam a soar actuais. São praticamente 20 anos de carreira, com uma discografia bastante extensa, tanto a nível de material original como de remisturas de trabalhos alheios (que, não raras vezes, praticamente os transforma em trabalhos seus). Muitos DJs (e não só) de vários quadrantes musicais dentro da música electrónica hão-de ter, pelo menos, um disco de/ou remisturado por Carl Craig. Até para um estilo como o Drum & Bass Carl Craig foi fulcral, devido a Bug In The Bassbin, do pseudónimo Innerzone Orchestra, que chamou a atenção a muitos DJs e produtores do estilo e que lhes mostrou novos caminhos para além do Hip-Hop e do Reggae/Ragga como estilos que mais influenciavam o Drum & Bass na altura.

Temas que fundiam House, Techno e Disco, como Throw ou The Climax (através do pseudónimo Paperclip People) levaram a que Craig fosse ouvido por cada vez mais pessoas, porque foram temas que, já numa altura que a música de dança/electrónica se encontrava já compartimentada, eram passadas tanto por DJs de House, como de Techno, como de Trance. Ou seja, conseguiu unir DJs de vários estilos em volta dessas músicas. E, verdade seja dita, apareçam os estilos que aparecerem, seja o Broken Beat, o “Electroclash”, o Electro-House, o Maximal ou o Minimal, há-de haver um qualquer disco de Carl Craig que se consiga inserir num Dj set de qualquer dos estilos mencionados.

Através da sua editora, a Planet E, tem dado a conhecer diversos artistas que de outro modo, poderiam nunca ter sido conhecidos. Se no início a Planet E servia para editar apenas produções de Carl Craig, cedo optou por dar a conhecer novos nomes que achava de valor e que mereciam ser conhecidos por mais pessoas…entre eles Moodymann, Recloose, Ibex, Ican ou Martin Buttrich.

Foi também, até 2001, o principal responsável pela programação do DEMF (Detroit Electronic Music Festival), onde sempre pautou por trazer o que de melhor e mais inovador se fazia em termos musicais em geral, e na música electrónica em particular. A partir daí, devido a conflitos com alguns dos principais responsáveis pelo DEMF, optou por sair do lugar de programador e há quem diga que devido a isso nada distingue o DEMF de outro qualquer festival de música electrónica.

Quase tão longa como a sua carreira como produtor, é a de DJ. Tendo-o já ouvido passar música 3 vezes, e tendo alguns sets na internet, a impressão com que fiquei é que , como DJ, é tão eclético quanto o é como produtor. House, Techno, Disco, Electro,New Wave/Post-Punk, Broken Beat, Funk/Jazz-Funk…de tudo um pouco se ouve. Por isso também muitos afirmam que, apesar de não estar ligado directamente à cena nova-iorquina, é como que um discípulo de Larry Levan.

Entretanto, sempre se podem adquirir discos como a sua compilação na série DJ Kicks do próprio ou The Workout (editado pela React, agora Resist) para se poder ter uma ideia de como funciona um set de Carl Craig. Mas, melhor ainda, será tirar isso a limpo a 31 deste mês, onde Carl Craig estará de regresso ao Lux.

Decerto que será o ecletismo de sempre, e que também dará o devido destaque à 3ª geração de produtores de Detroit (Omar S, Kyle Hall ou Seth Troxler), ele que sempre gostou de apoiar outros visionários como tem sidoe, decerto, continuará a ser.

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